(Artigo de J. R. Guzzo publicado no jornal O Estado de S.Paulo em 6 de novembro de 2022)
Durante os últimos quatro anos o Supremo Tribunal Federal, a esquerda e a maior parte da mídia deram como certo que a única maneira de salvar a democracia no Brasil era eleger o ex-presidente Lula para a Presidência da República. O problema, naturalmente, era Jair Bolsonaro. Se ele fosse reeleito, garantiam todos, o Brasil iria se transformar numa ditadura — e como só Lula tinha chance de vencer o presidente nas urnas, era obrigatório que ganhasse as eleições encerradas em 30 de outubro. Nunca ficou claro, em cima de fatos objetivos, por que Bolsonaro ia acabar com a democracia a partir de janeiro de 2023, se ficou na Presidência nos últimos quatro anos e manteve o regime exatamente como o encontrou — não violou a Constituição em nenhum momento, obedeceu a todas as leis em vigor no País e cumpriu à risca todas as decisões do Congresso Nacional e do Poder Judiciário. Mas isso tudo, no fim das contas, não fez diferença. O consórcio anti-Bolsonaro acabou ganhando e o Brasil, em consequência, está salvo.
O problema é que não está — as realidades, ao contrário, mostram que a ameaça real à democracia brasileira vem justamente dos seus mais irados defensores, que agora se preparam para governar o Brasil. Não são os bolsonaristas que estão dizendo isso; são as atitudes públicas dos que ganharam a eleição. O fato é que Lula chega pela terceira vez à Presidência numa situação muito diferente da que existia na época em que esteve lá entre 2003 e 2010. Está cercado agora por uma esquerda e por um PT muito mais radicais, convictos de que os 50% dos votos que tiveram, mais um pouco, os autorizam a impor um novo regime ao País e empenhados em “evitar o erro” de sua primeira passagem pelo governo — aceitaram as regras da “democracia burguesa” e deixaram o poder depois de terem chegado lá, coisa desconhecida em qualquer “democracia popular” de sua admiração. Quem já ouviu falar em “alternância de poder” em Cuba? Pois é. Menos de uma semana depois da eleição já estão falando em mexer com os militares — querem uma “Guarda Nacional”, o fim das promoções por mérito e o “controle político” das Forças Armadas. Acham que é preciso mudar o Ministério Público, que não pode continuar com essa mania de sair por aí denunciando gente do governo, e “desarmar a polícia”. Prometem censurar a imprensa, com o virtuoso propósito de eliminar as “notícias falsas” e sob o disfarce do “controle social da mídia.”
A eles se somam o STF e o regime de exceção imposto ao País para “salvar a democracia”; será que agora, com a democracia salva, os ministros voltarão a cumprir a Constituição? As respostas não vão demorar.
Revista Oeste