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Organizações de direitos humanos protocolam apelo urgente na ONU para que condições dos presídios no RN sejam investigadas

Documento enviado pelo IBCCRIM e pelo Conectas Direitos Humanos cita práticas de tortura e pede que Organização das Nações Unidas cobre respostas dos governos estadual e federal.

Foto tirada durante inspeção do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura mostra presos em posição de 'procedimento' em unidade prisional no RN. — Foto: Acervo do MNPCT, 2022.

O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e o Conectas Direitos Humanos – duas organizações não governamentais – protocolaram nesta quinta-feira (20) um apelo urgente na Organização das Nações Unidas (ONU) para que as condições do sistema carcerário do Rio Grande do Norte sejam investigadas.

O documento pede para a ONU “investigar e exigir medidas imediatas por parte das autoridades brasileiras sobre as práticas de tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes”, tendo em vista “que violam normas internacionais de direitos humanos”.

“O que motivou o apelo foram as trágicas constatações do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura [MNPCT] que inspecionou em novembro de 2022 estabelecimentos penais do Rio Grande do Norte e identificou o que foi denominado de ‘grave quadro de crise humanitária a que estão sujeitas as pessoas privadas de liberdade no estado'”, explicou o advogado Alessandro Araújo, representante do IBCCRIM no RN.

O g1 procurou o governo do estado e a Secretaria de Administração Penitenciária para comentar o pedido de investigação, mas não obteve retorno até a última atualização desta matéria.

O relatório do MNPCT – que aponta tortura, comida estragada e contaminação proposital nos presídios do estado – ganhou notoriedade em março deste ano durante os mais de 300 ataques a prédios públicos e veículos atribuídos a uma facção criminosa no Rio Grande do Norte.

Uma das suspeitas é de que eles tenham ocorrido como resposta às más condições impostas aos apenados nas penitenciárias do estado.

Por isso, é pedido ainda que a ONU solicite ao governo do RN e ao governo federal informações sobre a realidade do sistema prisional do estado desde 2017 (quando ocorreu a rebelião de Alcaçuz que culminou com 27 mortes) “considerando-se os ataques iniciados em todo o estado no último dia 14 de março de 2023 e sua relação com as violações crônicas de direitos humanos nos estabelecimentos prisionais norte-rio-grandenses”.

“A crise no sistema penitenciário do Rio Grande do Norte é crônica. Desde 2015 ocorrem episódios graves que, de uma forma ou de outra, demonstram a ineficiência estatal em garantir o mínimo de dignidade às pessoas em privação de liberdade no estado”, explicou Alessandro Araújo.

“Mesmo após o massacre de Alcaçuz, e o posterior empenho na reforma e construção de unidades prisionais, o cenário de violação sistêmica aos Direitos Humanos das pessoas presas e o desrespeito à Constituição Federal e à Lei de Execução Penal permanecem”, reforçou.

O representante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no RN explicou que a iniciativa de acionar a ONU foi motivada pela necessidade de relatar, “com urgência, as situações de violações graves aos Direitos Humanos a que estão sujeitas as pessoas em privação de liberdade no RN” e que a intenção é provocar “a ONU a buscar mais informações e esclarecimentos sobre a situação do sistema prisional”.

‘Garantir integridade’

As organizações cobram também que a ONU assinale o dever do Estado “em garantir a integridade física e moral das pessoas privadas de liberdade no RN, assim como a assistência à saúde, assistência material, jurídica e educacional no interior dos estabelecimentos prisionais e a manutenção dos vínculos familiares”

Há ainda recomendações para:

  • adoção de políticas desencarceradoras para reduzir superpopulação no sistema prisional;
  • criação e implementação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura e o pleno funcionamento do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura;
  • inspeção periódica de todos os estabelecimentos prisionais e serviços penais;
  • fomento na transparência e qualidade dos dados no sistema prisional do estado.

As organizações pedem posicionamento público a respeito da inviolabilidade da integridade física e moral dos presos como forma de reconhecer que a violência no ambiente prisional “tem relação com a superlotação carcerária e com a política do hiperencarceramento”.

É recomendado também o comprometimento com as diretrizes do Protocolo de Istambul na averiguação dos casos de tortura, com atenção especial ao sistema prisional do RN.

Como medidas para melhorias a curto prazo nos presídios do estado, o representante do IBCCRIM no RN destaca medidas como a atuação “de equipes de saúde junto aos presos enfermos, garantindo-lhes tratamento médico e acompanhamento medicamentoso contínuos”, implementar o Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura” e editar “decreto de indulto para pessoas que não praticaram crimes com violência ou grave ameaça e sejam primárias, inclusive com previsão para comutação de pena aos presos que cumprem sentença penal em unidades superlotadas”.

Problemas relatados

O apelo urgente enviado à ONU cita problemas estruturais e traz críticas ao tratamento dado aos presos nas penitenciárias potiguares.

O documento diz que não existe no estado “qualquer política pública hábil e eficiente à efetivação de um mínimo de dignidade às pessoas em privação de liberdade”.

As associações argumentam que, baseado no relatório do MNPCT, fica comprovado que o sistema prisional do estado “funciona apenas como um depósito de pessoas, que cotidianamente sofrem tortura, maus-tratos e outros tratamentos cruéis e desumanos, não têm acesso a atendimento médico e medicação suficientes, alimentação adequada e própria ao consumo humano, atividades e comunicação com o mundo externo”.

“Percebe-se a naturalização da sistemática violação de normas nacionais e internacionais que garantem os direitos fundamentais das pessoas sob custódia do Estado”, conclui.

O documento cita também problemas de superlotação, como celas projetadas para 13 presos recebendo 40, e que elas possuem “odor fétido”, falta de ventilação cruzada e baixa iluminação. Além disso, “foi constatado que pessoas visivelmente doentes, algumas com tuberculose, e idosas são obrigadas a deitarem sobre a pedra fria das celas simplesmente por não terem acesso a colchões”.

Outros pontos apontados são a falta de fornecimento de itens de higiene pessoal e de limpeza, comidas azedas para alimentação, racionamento de água e a “e a ampla disseminação da prática de tortura física e psicológica contra os detentos” – nesse casao, especificamente em Alcaçuz.

Surtos de doenças como escabiose e diarréia e a falta de fornecimento de medicamentos e assistência médica também são citados no relatório. Também é citada a “prevalência elevada” de tuberculose e o descumprimento de protocolos de separação, sendo relatado ainda a presença de contaminados em celas na intenção de contaminar outros propositalmente em Alcaçuz, o que “representa clara situação de tortura que deve ser seriamente coibida”, diz o documento.

“A situação do RN tem causado bastante perplexidade, pois parece ter havido uma paralisia nos atores responsáveis pela condução da questão prisional do estado. E várias das constatações feitas pelo MNPCT remontam a épocas medievais”, diz o representante do IBCCRIM no estado.

Ele pontua, inclusive, que e “até mesmo efetivo e treinamento adequados faltam à Polícia Penal estadual, o que demonstra o descaso estatal com os servidores públicos que lidam diária e ardorosamente com o sistema penitenciário”.

g1-RN

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Written by MOSSORÓ NEWS

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