O Congresso Nacional e o governo Lula (PT) discutem incluir no arcabouço fiscal um trecho que suspende a alta real do salário mínimo caso a meta de resultado primário seja descumprida por dois anos seguidos, segundo quatro pessoas envolvidas na negociação ouvidas pela Folha.
Nesta situação, o salário mínimo ainda seria corrigido pelo índice oficial da inflação, para preservar seu poder de compra, mas sem o aumento adicional previsto na política de valorização apresentada pelo governo petista.
A proposta foi colocada na mesa como forma de prever reequilíbrio das contas, caso haja frustração da meta fiscal. Ainda não há uma decisão final sobre esse ponto, discutido em meio às negociações do relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), para fortalecer a regra.
O governo participa dessas discussões, mas tem tido o desafio de se equilibrar entre as cobranças do mercado e de parlamentares de centro e direita por uma norma mais rígida e as pressões vindas do próprio PT, que almeja um afrouxamento das diretrizes.
O tema é considerado delicado por interferir em uma das plataformas de campanha de Lula —a política de valorização do salário mínimo. No início de maio, o presidente encaminhou projeto de lei que retoma a regra que já havia vigorado em gestões petistas: a concessão de um reajuste pela inflação mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes.
A discussão sobre os gatilhos, a serem acionados em caso de contas piores que o esperado, envolve não só a cobrança do mercado e do Legislativo, mas também uma questão legal.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) Emergencial, aprovada em 2020, durante a gestão Bolsonaro, prevê que o Executivo deve dispor sobre regras voltadas à sustentabilidade da dívida pública em lei complementar, e essa norma pode autorizar a aplicação de gatilhos previstos em outro artigo, o 167-A.
Esse dispositivo proíbe, entre outras coisas, a “adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo referida no inciso IV do caput do art. 7º desta Constituição”.
A correção do salário mínimo tem impacto direto em uma série de despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários e assistenciais, além do seguro-desemprego e do abono salarial —espécie de 14º salário pago a trabalhadores com carteira que ganham até dois pisos.
Há um entendimento no próprio governo de que a proposta de arcabouço fiscal —que é um projeto de lei complementar— é a norma que atende ao comando constitucional sobre a sustentabilidade da dívida, invocando, assim, a aplicação dos gatilhos do artigo 167-A. Por isso, um reajuste do salário mínimo acima da inflação poderia ser travado.
É por isso também que outras vedações previstas nesse dispositivo, como conceder novas renúncias, reajustar salários de servidores e realizar novos concursos públicos também estão no radar do relator e do Congresso.
Além disso, há uma observação de que a lei complementar do novo arcabouço fiscal estará, quando aprovada e sancionada, em um nível acima da política de valorização do salário mínimo (que seria uma lei ordinária) na hierarquia da legislação brasileira. Em outras palavras, a lei que trata do piso teria que se subordinar às novas regras fiscais.
Para evitar que o tema se torne um problema político para o governo Lula, em um ambiente já de críticas ao arcabouço fiscal, governo e Congresso têm discutido como os gatilhos do 167-A devem ser aplicados e com que gradualismo.
Uma das maneiras estudadas é sugerir que a suspensão do aumento do piso acima da inflação só entre em cena num caso extremo, em que a meta de resultado primário é descumprida por dois anos seguidos.
A violação da meta por um único ano deflagraria o acionamento dos outros mecanismos tidos como menos delicados.
A apresentação do parecer do novo arcabouço fiscal foi adiada para segunda-feira (15), quando Cajado deve discutir o texto com lideranças da Câmara. Por isso, é possível que o relatório ainda sofra novas mudanças.
Folhapress