O recente decreto do Ministério da Justiça, publicado na última terça-feira, sobre o uso da força por policiais em todo o Brasil, gerou uma nova crise entre o governo federal e os governadores de oposição na área de segurança pública. O texto, que estabelece que agentes policiais só devem recorrer ao uso de armas de fogo e força física em último caso, não agradou aos governadores de estados como Rio de Janeiro, Goiás e Distrito Federal, que consideraram a medida uma forma de “chantagem” e uma “interferência federal”.
O decreto prevê que, para que os estados tenham acesso aos repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), será necessário seguir as novas diretrizes. Entre elas, destaca-se a capacitação anual dos policiais para a utilização da força de maneira mais controlada, visando evitar abusos e garantir que a força letal seja utilizada apenas em situações extremas. No entanto, a medida gerou críticas, especialmente dos governadores que apontaram a falta de diálogo com os estados e a imposição de condições para o repasse de verbas, que se tornam essenciais para a manutenção das forças de segurança.
Cláudio Castro (PL), governador do Rio de Janeiro, foi um dos primeiros a reagir. Ele prometeu recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar barrar o decreto. “Esse é um presente de Natal para o crime organizado”, disse Castro, criticando a medida e alegando que ela comprometeria a capacidade de ação das polícias estaduais. Outros governadores, como Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás, e Ibaneis Rocha (MDB), do Distrito Federal, seguiram a mesma linha, acusando o governo federal de promover uma interferência indevida na gestão da segurança pública, que, segundo eles, deveria ser de responsabilidade exclusiva dos estados.
Além disso, o caso de uma jovem baleada por um policial rodoviário federal na véspera de Natal, no Rio, gerou ainda mais controvérsia. O incidente, que resultou em ferimentos graves, trouxe à tona as discussões sobre o uso excessivo da força pela polícia, reforçando a posição do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, que, até então, defendia a regulamentação do uso da força de maneira mais estrita. Lewandowski se comprometeu a acelerar o processo de detalhamento do decreto, que, inicialmente, teria um prazo de 90 dias para ser regulamentado.
Na prática, o decreto visa estabelecer um controle mais rigoroso sobre as ações da polícia em todo o país, criando normas mais claras e uniformes para o uso de força e armas de fogo. A intenção do governo federal é diminuir os casos de abusos policiais, como os recentemente registrados em São Paulo, onde dois policiais foram presos por abusos de poder, e outros 45 foram afastados. A implementação dessas diretrizes, no entanto, exige um alinhamento com os governos estaduais, que já demonstraram resistência à centralização do comando e à imposição de normas sem considerar as especificidades regionais.
A medida também está inserida em um contexto maior de insatisfação entre os governadores com a gestão da segurança pública no governo Lula. Antes do decreto, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública já havia gerado atritos, com os governadores do Consórcio de Integração Sul-Sudeste (Cosud) se posicionando contra mudanças nas regras que, segundo eles, poderiam diminuir a autonomia dos estados na gestão da segurança.
A reação dos governadores, aliados da bancada da bala, também inclui a promessa de projetos de lei para sustar o decreto, como o do deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS), que afirmou que a medida é uma ameaça à segurança pública e favorece a criminalidade.
O clima de confronto promete se intensificar nos próximos meses, enquanto o governo federal busca avançar na implementação de suas políticas de segurança, com um foco claro na redução da violência policial e na padronização das abordagens em todo o país. No entanto, a falta de consenso entre os governadores e o Executivo pode gerar novos impasses sobre a efetividade da medida e a maneira como ela será aplicada nas diferentes regiões do Brasil.