Violação à integridade física, psicológica, dos direitos sociais e da vida. Enquanto o mundo celebra o Dia Internacional da Mulher neste 8 de março, o Brasil e o Rio Grande do Norte registram aumento significativo de casos de violações de diversos direitos das mulheres.
Na passagem de 2020 para 2021, em todo o país, conforme registros do Painel de Dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), o número de delitos em desfavor de pessoas do sexo feminino cresceu 203,29% – de 271.392 para 823.127. No Estado potiguar, a alta é similar: 205,02%. Em números absolutos: de 5.198 para 15.855 violações.
Também chama a atenção o quantitativo de feminicídios ocorridos no Rio Grande do Norte desde o dia 1º de janeiro até hoje: oito. Esse número corresponde a um assassinato de mulher a cada 8 dias, considerando 1º de janeiro a 7 de março. De janeiro a dezembro de 2021 foram registradas 13 ocorrências dessa natureza em todo o território norte-riograndense, contra 20 no ano anterior, segundo a Polícia Civil.
Os casos mais recentes registrados em Natal e Parnamirim, com diferença de aproximadamente 10 dias entre eles, chocaram a população pelo assassinato de duas mulheres por seus ex-companheiros que não aceitavam o processo de separação. Ambos cometeram suicídio após matarem as mulheres com as quais dividiram anos de suas vidas. Uma delas morreu diante da mãe e das filhas.
Conforme dados da ONDH, registrados através das ligações efetuadas para o Disque 180 – Central de Atendimento à Mulher, o Rio Grande do Norte somou, em 2021, um número de denúncias 103,94% maior que o ano imediatamente anterior. Especialistas apontam que a pandemia e a necessidade de isolamento social como medida mais eficaz contra o avanço da covid-19 ampliou o tempo de permanência de agressor e vítima sob o mesmo ambiente e, como consequência, a ocorrência de mais casos de violência doméstica, principalmente. Os homens responderam por 59,41% das denúncias reportadas. A maioria dos casos ocorre dentro da casa dividida pelo agressor e vítima. Pelo menos 9.487 violações, que incluem quaisquer atos que atentem ou violem os direitos humanos de uma vítima, se deram nesses ambientes em 2021. Outros 4.544, dentro da casa da própria vítima.
O aumento das denúncias, conforme a preceptora multiprofissional psicóloga do Instituto Santos Dumont (ISD), Carla Glenda Souza da Silva, tem um lado positivo. “Mais mulheres passaram a se mostrar através das redes sociais e a usá-las como canal de denúncia de maus tratos, agressões, ameaças, violência doméstica. As pessoas estão tendo mais acesso aos canais de denúncias e isso é muito importante. Mas ainda há muito medo. Muitas mulheres têm parceiros agressores envolvidos em atividades ilícitas, por exemplo”, afirma a psicóloga, que é doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
No detalhamento das violações, quase um terço das reportadas ao longo de 2021 se deram por um prazo de tempo superior a um ano. Ou seja, muitas mulheres sofreram abusos diversos e se mantiveram caladas por anos. “Há uma questão emocional e cultural dos agressores, que já trazem consigo um machismo. De achar que a mulher é propriedade, que a mulher não tem valor ou não dá o merecido valor a essa mulher dentro do ambiente familiar”, aponta Carla Glenda como possíveis razões para manutenção do ciclo de violência doméstica. A maioria das violações detalhadas ao ONDH, 14.203, atentaram contra a integridade física das mulheres potiguares.
Denúncia
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180 presta uma escuta e acolhida qualificada às mulheres em situação de violência. O serviço registra e encaminha denúncias de violência contra a mulher aos órgãos competentes, bem como reclamações, sugestões ou elogios sobre o funcionamento dos serviços de atendimento.
O serviço também fornece informações sobre os direitos da mulher, como os locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso: Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.
A ligação é gratuita e o serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. São atendidas todas as pessoas que ligam relatando eventos de violência contra a mulher.
O Ligue 180 atende todo o território nacional e também pode ser acessado em outros países.
Entrevista
“A mulher precisa se dar uma oportunidade”
Carla Glenda Souza da Silva, psicóloga do ISD
É possível traçar o perfil dos agressores das mulheres no Rio Grande do Norte?
O perfil dos agressores é muito ligado à insegurança com relação ao fim do relacionamento, a não se considerar homem suficiente para manter a família. Hoje em dia, a gente vê muito forte a questão do limiar da frustração. As pessoas não aceitam serem frustradas em seus desejos. Isso é sinônimo de fracasso e ninguém quer ser fracassado. Não aceita término de relacionamento, não aceita não ser mais querido naquela relação, não percebe que tem comportamentos que são nocivos à relação seja com a parceira atual ou com qualquer outra.
Como isso ocorre?
São homens que, em geral, já vem de outros relacionamentos frustrados onde, de repente, imperava o abuso físico e psicológico. E, nessa relação, quando a mulher se coloca um pouco mais empoderada, surge a violência, surge o ato violento de chegar a matar.
Quais sinais podem ser identificados no comportamento, atitudes do agressor?
É possível identificar alguns sinais, tais como: a necessidade de controle, o isolamento dos seus pares, familiares e amigos; o comportamento de desqualificar a pessoa na frente de outros amigos e familiares. Isso, cada vez mais, fazendo com aquele cônjuge vá se sentindo ruim ao ponto dele se afastar ou se isolando por ela não se sentir boa o suficiente ou não conseguir suprir as expectativas do parceiro. O parceiro joga isso para a vítima o tempo inteiro em atitudes, falas, exposição na frente de terceiros. A vítima se sente, cada vez mais, subjugada e se submete.
As mulheres que estão na posição de vítima, como podem se fortalecer e denunciar?
É muito difícil. A mulher precisa perceber, primeiro, que o relacionamento não é legal. Ela precisa se dar oportunidade de reconhecer que determinados atos daquele parceiro não são adequados para a convivência positiva do relacionamento. Isso não é fácil, porque por mais que ela perceba, as situações sociais, as questões emocionais, a convivência conflituosa com familiares vão favorecendo com que esse relacionamento vá se consolidando e fica muito mais difícil sair da relação depois de um tempo envolvida. Não é impossível, mas ela precisa se dar uma oportunidade.
Sobre o ISD
O Instituto Santos Dumont (ISD) é uma Organização Social vinculada ao Ministério da Educação (MEC) e engloba o Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra e o Centro de Educação e Pesquisa em Saúde Anita Garibaldi, ambos em Macaíba. A missão do ISD é promover educação para a vida, formando cidadãos por meio de ações integradas de ensino, pesquisa e extensão, além de contribuir para a transformação mais justa e humana da realidade social brasileira.
G1-RN