O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse, durante sabatina no Jornal Nacional, que o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) “não é mais o mesmo de 30 anos atrás”. Ele havia sido questionado sobre como seria a relação de um eventual governo seu com o grupo, conhecido pela invasão de propriedades rurais.
“O MST está fazendo uma coisa extraordinário, está cuidando de produzir. Não sei se você sabe, mas o MST hoje tem várias cooperativas. O MST é maior produtor de arroz orgânico do Brasil. Você tem que visitar uma cooperativa do MST. Aquele MST de 30 anos atrás não existe mais”, disse o ex-presidente.
O petista afirmou ainda que o movimento “só invadiu terras improdutivas” e que os integrantes do grupo estariam fazendo um “favor” para os fazendeiros ao acelerar o processo de desapropriação. “Eu queria que você me dissesse qual foi a terra produtiva que os sem-terra invadiram, porque os sem-terra invadiam terras improdutivas. Quem fiscalizava a terra era o Incra e quem pagava era o governo. Tinha hora que eu achava o seguinte, que os sem-terra estão fazendo um favor para os fazendeiros porque está invadindo a terra para o governo pagar”, disse Lula.
A fala do ex-presidente, obviamente, não é verdadeira. Tanto os governos Lula quanto os da ex-presidente petista Dilma Rousseff foram marcados por episódios de invasão de terras produtivas pelo MST. Em 2004, no segundo ano de governo Lula, o então governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcellos (MDB), chegou a cobrar do petista uma solução do que ele chamou de “quadro de tensão social gerado pelas constantes ocupações de terras no estado”.
À época, o estado de Pernambuco liderava o ranking nacional de terras invadidas pelo MST. Apenas nos quatro primeiros meses de 2004 foram contabilizadas ao menos 55 invasões. “De um lado vejo a insubordinação à lei por parte do MST e, do outro, a morosidade do órgão federal encarregado de tratar da reforma agrária [o Incra] no encaminhamento das questões de sua responsabilidade”, afirmou o governador.
Número de invasões do MST cresceu nos governos Lula e Dilma
Em 2003, primeiro ano do governo Lula, o número de invasões de terra por sem-terra disparou no Brasil. Naquele ano, de janeiro a julho, foram ao menos 171 invasões de terra e pelo menos 18 assassinatos resultantes de conflitos agrários, segundo dados do antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário.
Ao todo, foram 75 registros no Nordeste, seguidos das regiões Sul (34) e Sudeste (34), Centro-Oeste (23) e Norte (5). Apenas nos sete primeiros meses de 2004, os 18 assassinatos no campo já superavam em 80% o total registrado em 2000 (10). Em relação a 2001 foram 14 assassinatos, um avanço de 28%. Em todo o ano de 2002, ocorreram 20 mortes ligadas a conflitos fundiários.
Ao final do primeiro mandato de Lula, em 2006, um balanço da Ouvidoria Agrária Nacional mostrou que nos três primeiros anos do governo Lula o número de invasões de terras superou em 55% o registrado nos 36 meses da gestão de Fernando Henrique Cardoso (PSDB). No mesmo intervalo, a quantidade de assassinatos por causa de conflitos agrários avançou 63%.
Em 2009, no segundo mandato Lula, o movimento foi responsável por invadir uma fazenda no interior de São Paulo e destruir cerca de mil pés de laranja. À época, a empresa Cutrale, responsável pela fazenda, emitiu uma nota afirmando que a propriedade era extremamente produtiva e gerava centenas de empregos. Além disso, alegou também que algumas famílias de funcionários, inclusive com crianças, foram expulsas de forma intimidatória pelos invasores, o que prejudicou o acesso dos menores à escola.
Ao todo, foram 1.968 invasões de terra durante os dois mandatos do ex-presidente Lula. Na gestão Dilma, o número caiu para 969. Em 2013, durante o governo da petista, militantes que participavam da Marcha pela Reforma Agrária chegaram a destruir laboratórios da Universidade Federal de Alagoas.
Já em 2015, integrantes do MST ocuparam um centro de pesquisa de uma empresa no interior de São Paulo e destruíram cerca de mil mudas de árvores transgênicas que eram objeto de pesquisa. Sobre esse episódio, o MST justificou a ação como uma denúncia dos supostos “males dos transgênicos” ao meio ambiente e em defesa “da segurança alimentar e de alimentos saudáveis”.
Eles argumentaram, por exemplo, que a espécie de eucalipto em desenvolvimento no centro de pesquisa aumentaria o gasto de água em até 30 litros por dia para cada muda.
Invasões de terra despencaram no governo Bolsonaro
Como forma de se contrapor ao ex-presidente Lula, a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) tem usado a redução nos números de invasão de terras pelo MST para criticar o petista. Também na bancada do Jornal Nacional, Bolsonaro disse que “pacificou o MST, titulando terras pelo Brasil”.
Nos três primeiros anos de governo Bolsonaro, de 2019 até 2021, o Incra contabilizou apenas 34 invasões de terra por parte do MST em todo o país. De acordo com integrantes do Planalto, essa redução se deu, principalmente, por causa do corte dos repasses de recursos federais para entidades ligadas aos sem-terra, que eram abundantes nos governos petistas.
Durante a gestão de Dilma Rousseff, instituições privadas sem fins lucrativos ligadas à reforma agrária e aos movimentos sociais receberam mais de R$ 100 milhões. Desde 2020, o governo não transfere mais recursos para essas instituições.
Após as declarações de Bolsonaro ao JN, o coordenador nacional do MST, João Paulo Rodrigues respondeu ao presidente dizendo que o movimento “sempre foi pacífico e de luta”. “Ocupamos 32 latifúndios nos últimos quatro meses. Resistimos a todas as ofensivas desse Bolsonaro. Não perdemos nenhum acampamento ou assentamento. Produzimos e doamos na pandemia 7 mil toneladas de alimentos”, afirmou Rodrigues.
Na última sexta-feira (26), ao comentar a fala de Lula no JN, Bolsonaro afirmou que a mudança do MST é o mesmo que “mudar o DNA da sogra”. “Nós pacificamos o campo titulando terras. Eu vi o Lula falando ontem: ‘Temos um novo MST’. É a mesma coisa que modificar o DNA da cobra, da sogra. Isso a gente não muda”, completou.
MST tem candidatos a deputado federal e estadual
Com a volta de Lula ao cenário político, integrantes do MST também lançaram candidaturas para a Câmara Federal em seis estados e de deputados estaduais em oito estados. O grupo conta com candidatos a deputado federal na Bahia, no Distrito Federal, em Goiás, no Maranhão, no Rio Grande do Sul, em Sergipe. Já nas disputas para as Assembleias Legislativas, o MST lançou nomes na Bahia, no Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Tocantins.
Além disso, o MST lançou comitês populares em todo o país para fazer campanha para Lula. “Os trabalhadores sem-terra estão em todo o país construindo os comitês populares, com o objetivo de eleger o presidente Lula, mas também de impulsionar o trabalho de base, ouvir o povo e juntos pelo Brasil construir um projeto popular. Precisamos fazer dessa eleição um grande processo de politização”, explicou Kelli Mafort, integrante da coordenação nacional do MST.
Em março, ainda durante a pré-campanha, Lula esteve em um assentamento do MST no Paraná para agradecer o apoio do movimento. O grupo foi um dos organizadores do acampamento que foi montado em frente à sede da Polícia Federal, em Curitiba, no período que o petista esteve preso pela condenação na Lava Jato.
“Vocês não têm noção de como lavavam minha alma quando eu ouvia todo dia: bom dia, presidente Lula; boa tarde, presidente Lula; boa noite, presidente Lula. Essas palavras vão ficar na minha cabeça para o resto da vida. Vocês não têm noção do gesto que vocês fizeram. Foi o maior gesto de solidariedade que eu tive conhecimento na história contemporânea”, disse, na ocasião.
Gazeta do Povo