A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) para investigar os atos de vandalismo de 8 de janeiro em Brasília já se tornou palco da batalha entre governo e oposição, antes mesmo de sua confirmação – prevista para quarta-feira (26) -, durante sessão do Congresso. Logo após a sua abertura, o presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fará a leitura do pedido da CPMI e então a composição começará a se definir. Serão 16 senadores e 16 deputados. Dentre esses, um deputado e um senador participarão na forma de rodízio.
Nomes de possíveis indicados de ambos os lados para compor o colegiado vem sendo apontados desde a semana passada, mas ainda há dúvidas sobre qual será o perfil dominante entre os representantes de partidos de fora da base do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Câmara, como Progressistas, Republicanos e Podemos, que estão distribuídos em dois grandes blocos partidários com 315 deputados ao todo, mais da metade do plenário (513).
No Senado, os blocos encabeçados por PT e MDB terão 11 dos 16 senadores que formarão a CPMI, dando maioria clara ao governo.
Na Câmara, contudo, o viés governista depende sobretudo dos acertos com o bloco majoritário comandado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), reunindo 173 deputados de oito partidos, incluindo independentes. O superbloco indicará cinco dos 16 deputados e terá peso para influenciar a condução dos trabalhos da comissão.
Após o vazamento de vídeos que mostram o agora ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Marco Gonçalves Dias, e subordinados interagindo com invasores do Palácio do Planalto, governistas mudaram de posição e passaram a apoiar com entusiasmo a CPMI. Junto com a guinada veio também o discurso de que os parlamentares da base de Lula têm garantida a maioria na comissão e de que a comandarão. Mas a definição desse quadro está exigindo negociação com Arthur Lira e líderes partidários.
Segundo assessores de parlamentares ouvidos pela Gazeta do Povo, com partidos de posições distintas em relação ao governo tanto no bloco de Lira quanto no segundo maior bloco – formado pelos governistas MDB e PSD e pelos independentes Republicanos, Podemos e PSC –, a indicação nominal de cada deputado tem importância estratégica. Até mesmo dentre os deputados de Podemos e de União Brasil há divisões internas que podem pender tanto para um lado quanto para o outro, conforme suas indicações.
O superbloco de Lira – PP, União Brasil, PDT, PSB, Solidariedade, Avante, Patriota e a federação Cidadania-PSDB – abriga, por sua vez, tendências diversas. A oposição aposta que, assim como no blocão do Republicanos, nomes indicados de perfil crítico e oposicionista possam surpreender o governo. Um estrategista de um desses partidos diz que descontentamentos por acordos com o governo não atendidos podem se converter em cobranças na CPMI.
O regimento comum de Câmara e Senado manda seguir “o princípio da proporcionalidade partidária” na composição da CPMI. A expectativa da oposição é de que se repita a regra usada para a atual escolha de membros da Comissão Mista do Orçamento (CMO), que leva em conta o peso de cada legenda dentro do bloco. Caso contrário, uma questão de ordem pode até ser feita por algum líder oposicionista ao presidente do Congresso.
Planalto negocia indicações no colegiado com os líderes
Uma vez instalada a CPMI, os integrantes votam para escolher o presidente, que depois indica o relator. Sem acordo entre os líderes, deverão ir a voto chapas, com a tendência de serem encabeçadas por presidente senador e relator deputado ou vice-versa. Por isso, o governo investe pesado no discurso e nas articulações para garantir a sua maioria na comissão e, assim, conquistar o comando dela. Até mesmo o nome do colegiado está em disputa – CPMI dos Atos Golpistas ou CPMI dos Atos de Vandalismo.
O Planalto acredita que terá sucesso nas negociações na Câmara conduzidas pelo ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para dominar a comissão, consagrando Arthur Lira como o “fiel da balança” e investindo junto a Progressistas, Republicanos e União Brasil para que seus indicados tenham perfil favorável.
“Não há dúvidas de que faremos o presidente da CPMI, com maioria garantida no Senado e construída com outros partidos da Câmara”, disse o vice-líder do governo, deputado Lindbergh Farias (RJ). “O governo vai tentar ocupar a comissão para impedir que ela investigue o que é preciso. Mas, de toda forma, faremos o nosso trabalho de investigar tudo, com apoio da sociedade”, rebateu o senador Eduardo Girão (Novo-CE).
Uma das estratégias dos governistas é defender o nome do líder do PP na Câmara, André Fufuca (PP-MA), aliado de Lira, para ser o relator da CPMI, enquanto o Senado indicaria o presidente. Para este posto, o governo Lula tende a apoiar nomes como Renan Calheiros (MDB-AL), Omar Aziz (PSD-AM) e Humberto Costa (PT-PE) – todos egressos da CPI da Covid. Outros nomes como Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Otto Alencar (PSD-BA) também devem se juntar ao grupo.
Além disso, o governo acredita que a participação do deputado André Janones (Avante-MG) pode fortalecer a narrativa do Planalto na CPMI. Os governistas avaliam que o deputado pode conduzir o discurso em defesa do governo nas redes sociais para fazer frente a oposição. Ele já vem fazendo isso nos últimos dias no Twitter, por exemplo.
“O Ministério Público e a Polícia Federal, acompanhados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já aprofundaram tudo sobre o que ocorreu em 8 de janeiro. Agora, a fiscalização do Congresso vai reforçar o que a Justiça já apurou até agora”, disse o senador Humberto Costa (PT-PE), antecipando o tom de futuros debates.
PL prepara nomes para enfrentar tropa de choque
Partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, o PL já sabe pelo menos dois dos três nomes que terá na CPMI. Além do autor do requerimento pela abertura da comissão, André Fernandes, uma vaga ficará com o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem (RJ). A terceira vaga é disputada por Nikolas Ferreira (MG), Filipe Barros (PR) e Eduardo Bolsonaro (SP).
Pelo Senado, entre os favoritos para ocupar a única vaga do PL estão Carlos Portinho (RJ), Magno Malta (ES) e Rogério Marinho (RN). “O que o PT quer esconder do povo brasileiro? Precisamos que a CPMI apure os fatos ocorridos e traga à luz o que está se tentando esconder”, afirmou Marinho, que também lidera a oposição no Senado.
Tradicionalmente, há um revezamento entre Câmara e Senado sobre os postos-chave nas CPMIs – presidência e relatoria – e isso leva em conta a configuração dada na investigação anterior. Ou seja, a Casa do Congresso que presidiu a comissão mista de inquérito anterior indica a relatoria da CPMI seguinte e vice-versa.
Se a regra for seguida, a presidência da CPMI do 8 de janeiro ficaria com a Câmara, já que foi quem indicou a relatora da investigação mista anterior – a CPMI das Fake News, Lídice da Mata (PSB-BA), encerrada em dezembro de 2022. Dessa forma, então o Senado seria o responsável por indicar o relator, por ter indicado o presidente da anterior, Ângelo Coronel (PSD-BA). Apesar disso, as negociações parecem seguir na direção contrária.
Gazeta do Povo