Decisões e declarações questionáveis de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nas últimas semanas intensificaram o debate sobre o “ativismo judicial” e possível atuação político-partidária de parte dos magistrados.
A condenação do deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), em 20 de abril, a oito anos e nove meses de prisão em regime fechado por ofensas e ameaças a ministros da Corte foi considerada abusiva por diversos juristas. O ex-ministro do Supremo Marcos Aurélio Mello foi um dos que se manifestou contra a decisão da Corte. Para ele, também houve interferência do STF na competência do Legislativo ao julgar o caso, que deveria ser resolvido pela própria Câmara dos Deputados, conforme determina a Constituição Federal.
Além do julgamento em si, medidas controversas no caso Daniel Silveira – o que inclui possível violação ao artigo 53 da Constituição Federal, que prevê a imunidade parlamentar – reforçam a alegação de juristas de que há uma série de medidas inconstitucionais em curso contra alvos em específico de ministros da Corte.
Os inquéritos sigilosos conduzidos pelo Supremo que apuram eventuais crimes cometidos contra os próprios ministros – o que os coloca, ao mesmo tempo, como vítimas, investigadores e julgadores – também têm sido denunciados como ilegais. Advogados de investigados nesses inquéritos alegam que em maio deste ano completará dois anos que estão impossibilitados de ter acesso integral aos autos do processo, o que fere a Súmula Vinculante 14, do próprio STF.
Recentes declarações do ministro Luís Roberto Barroso em eventos no exterior, em que sugere que o presidente Jair Bolsonaro (PL) seria “inimigo” e que as Forças Armadas estariam sendo orientadas a atacar e desacreditar o processo eleitoral no Brasil geraram nova crise, desta vez com o poder Executivo. A declaração desprovida de provas motivou a publicação de uma nota bastante dura por parte do Ministério da Defesa.
Para Leonardo Barreto, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), o ativismo judicial de parte dos ministros, bem como sua interferência em outros poderes, deriva de uma concentração de poder desproporcional reservada pela própria Constituição Federal aos integrantes da Corte. Como resultado, aponta ele, o Supremo passou a ser o árbitro de todo tipo de disputas no campo político, ocasionalmente alcançando questões que deveriam ser decididas por outros poderes.
“É uma quantidade de poder absurda que é incompatível com qualquer perspectiva de um país republicano. Essa concentração de poder creio que não tem paralelo no mundo ocidental democrático. O STF virou um ente inimputável, e isso é a antítese do que o Republicanismo coloca”, afirma.
A conduta de parte dos ministros tem motivado reações diversas por parte de representantes do Executivo, Legislativo e da sociedade em geral. A Gazeta do Povo levantou iniciativas que estão em curso para tentar coibir os excessos do Supremo. Conheça algumas delas:
Projetos de lei
PL 658/22
A proposta mais recente sobre o tema foi o Projeto de Lei (PL) 658/22, apresentado em março pelo deputado Paulo Martins (PL-PR). O texto estabelece nova hipótese de crime de responsabilidade para ministros do Supremo Tribunal Federal (STF): manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, ou manifestar juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais ou sobre as atividades dos outros Poderes da República.
De acordo com o autor da proposta, o objetivo da matéria é preservar a necessária imparcialidade do Supremo. “A ideia é fazer com que os ministros não sejam elementos de tensão social, porque quando eles falam fora dos autos, em ativismo político ou mesmo sobre algum processo que esteja em pauta, eles estão expondo a Corte a discordâncias da população sobre tais votos, e isso gera instabilidade”, diz Martins.
Sobre as frequentes declarações polêmicas de ministros, o parlamentar afirma que “não há no mundo um caso em que ministros da Suprema Corte sejam atores do debate político diário como é no Brasil”. “Todo dia declarações de ministros são manchete em jornais. Isso certamente não contribui para o resguardo da Constituição, para a pacificação social, política e institucional”, ressalta.
O projeto de lei aguarda apreciação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
PEC 275/13
O texto, de autoria Luiza Erundina (Psol-SP), propõe a redução das competências do STF. O Supremo, que passaria a ser chamado de Corte Constitucional, ficaria responsável apenas pelos julgamentos de causas exclusivamente relacionadas à interpretação e aplicação da Constituição Federal; todo o restante seria transferido para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dessa forma, o STF não julgaria mais, por exemplo, seus próprios ministros, o presidente da República e os membros do Congresso Nacional nas infrações penais comuns.
No novo parecer da proposta, elaborado em 2017 pela ex-deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), a parlamentar cita que a pretensão do projeto é solucionar os “graves defeitos existentes na composição, organização e no âmbito da competência do Supremo Tribunal Federal”.
A proposta ficou sem ter avanços claros por um longo tempo, até que a deputada Bia Kicis (PL-DF), uma das principais aliadas de Bolsonaro no Congresso, decidiu retomar o projeto quando ainda era presidente da CCJ da Câmara. Para isso, ela designou o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) como relator do PL. O parecer do parlamentar ficou pronto ainda no ano passado, mas não foi pautado na comissão. Agora, seu avanço depende da reconfiguração da CCJ.
PL 11.270/18 e PEC 8/21
O PL 11.270/18, de autoria do deputado João Campos (Republicanos-GO), propõe coibir o ativismo judicial por meio da limitação a decisões monocráticas dos ministros do STF. O PL modifica as regras para a concessão de decisões tomadas por apenas um ministro nas ações diretas de inconstitucionalidade (ADI) e nas arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPF).
A título de exemplo – apesar de não se encaixar nas hipóteses alcançadas pela proposta – em outubro de 2020, uma decisão isolada do ex-ministro Marco Aurélio Mello concedeu liminar soltando o traficante internacional de drogas conhecido como André do Rap, ligado ao PCC e responsável por intermediar o envio de toneladas de drogas para Europa e África. Dias depois, em decisão colegiada, os ministros decidiram que o criminoso deveria ser preso novamente – naquela altura, André do Rap já havia fugido, e até hoje permanece foragido.
Apesar disso, há críticas ao projeto devido à possível redução da celeridade em determinados temas. A proposta está atualmente na CCJ da Câmara dos Deputados.
Na casa vizinha, o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), junto com outros parlamentares, apresentou, em abril do ano passado, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 8/2021. O texto impõe limites a pedidos de vista e decisões monocráticas em tribunais superiores.
Se aprovada a PEC, as decisões cautelares nos tribunais não poderão ser monocráticas nos casos de declaração de inconstitucionalidade ou suspensão de eficácia de lei ou ato normativo, como decretos. Matérias que couberem liminar exigirão o voto da maioria dos ministros, ou seja, no caso do STF, precisarão ser apreciadas pelo plenário. “Existe muito poder concentrado na mão de um único homem [ministro(a)]. É óbvio que isso é uma distorção, não pode funcionar assim”, diz o senador. O PL está atualmente na CCJ do Senado aguardando designação de relator.
PL 4609/20
A proposta da deputada Chris Tonietto (PL-RJ) limita a aplicação da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) por parte do Supremo. Hoje, temas que não estão em tramitação no Congresso podem ser levados ao STF, para que os ministros “legislem” sob a justificativa da omissão dos parlamentares.
Um exemplo foi a decisão da Corte, em 2019, que determinou que fossem enquadradas condutas de homofobia e de transfobia na tipificação da Lei do Racismo até que o Congresso legislasse sobre o tema.
O projeto de lei aguarda entrada em votação na CCJ da Câmara.
PEC 35/15
O projeto, de autoria do senador Lasier Martins (Podemos-RS) junto com outros congressistas, propõe mandato de dez anos para ministros do STF sem possibilidade de recondução ao cargo ao fim do período. Além disso, a escolha dos ministros seria feita pelo presidente da República a partir de uma lista tríplice elaborada por um colegiado.
A proposta contava com parecer positivo pelo relator, senador Antonio Anastasia (PSD-MG), e estava pronta para ser votada na CCJ do Senado. Anastasia, no entanto, devolveu a relatoria para assumir o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) e agora a proposta aguarda designação de novo relator.
Gazeta do Povo