As invasões de terra praticadas pelo Movimento dos Sem Terra (MST) têm aumentado durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além disso, subiu também o número de nomes indicados ou relacionados ao movimento que foram nomeados para cargos na gestão petista. Outro ponto que tem chamado a atenção e gerado reações da bancada do agronegócio diz respeito às viagens internacionais de líderes do MST.
Ao emplacar nomes na administração federal, de acordo com líderes do MST, eles “garantem o espaço para ampliação de um programa mais voltado para pautas progressistas”.
A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), retirada do Ministério da Agricultura e agora subordinada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), hoje é presidida pelo ex-deputado estadual Edegar Pretto (PT-RS). O MDA, por sua vez, é comandado pelo ministro Paulo Teixeira, que assim como Pretto, tem forte ligação com o MST.
Milton José Fornazieri engrossa a lista de nomeações do MST em cargos no governo Lula. Também subordinado ao comando do ministro Paulo Teixeira, Fornazieri foi coordenador de Produção do MST. Outro nome é o da ex-coordenadora nacional do MST Kelli Mafort, que agora ocupa o cargo de secretária Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas na Secretaria-Geral da Presidência.
A participação do MST no governo Lula ainda pode crescer diante da pressão por mais cargos e espaço na administração federal. Desse modo, o movimento social tem colocado em prática uma série de ações coordenadas em que reivindica especialmente a exoneração e a nomeação de superintendentes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) nos estados.
As sedes do Incra de pelo menos cinco estados foram invadidas pelo MST. Uma das ocupações foi feita no estado de Alagoas. Em nota conjunta dos movimentos e organizações que coordenaram a ação, a exigência de cargos fica evidente. No documento, ao mesmo tempo em que pedem a exoneração “imediata e necessária do ‘bolsonarista raiz’” César Lira da superintendência do órgão, indicam um funcionário de carreira para assumir a vaga.
Ainda de acordo com a nota divulgada, os movimentos classificam como “inaceitável a continuidade de uma gestão bolsonarista” e questionam o motivo de o governo Lula manter no cargo, por mais de cem dias, “um superintendente inimigo da reforma agrária e com um histórico de violência junto a lideranças e comunidades”.
A pressão do MST sob o governo tem surtido efeito. Pelo menos sete estados já tiveram trocas na superintendência do Incra entre a semana passada e esta terça (18).
De acordo com publicações do Diário Oficial da União, entre os dias 13 e 18 de abril, foram nomeados Nelson José Grasselli para o Incra no Rio Grande do Sul, Francisco Erivando Santos de Sousa para o do Ceará, Paulo Roberto da Silva para Mato Grosso do Sul, Elias D’Angelo Borges para Goiás, Nilton Bezerra Guedes para o Paraná, Maria Lúcia de Pontes para o Rio de Janeiro e Edvânio Santos de Oliveira para Mato Grosso.
Também na terça (18), integrantes do governo criticaram as invasões promovidas pelo movimento, principalmente à área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Pernambuco. As manifestações vieram dos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Carlos Fávaro (Agricultura).
Apesar das críticas, as nomeações de superintendentes do Incra alinhados às pautas do MST seguem ocorrendo. Em Santa Catarina, o ex-deputado estadual Dirceu Dresch (PT-SC), historicamente ligado ao movimento, foi nomeado superintendente. Dresch substituiu o servidor de carreira Nilton Tadeu Garcia, nomeado no governo Temer e que contou com apoio de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para a permanência no cargo no governo passado.
Na Bahia, Carlos José Barbosa Borges também foi recentemente nomeado como superintendente do Incra. A indicação foi feita pelo deputado federal Valmir Assunção (PT-BA), com apoio do MST.
Os quadros políticos do MST também conquistaram espaço na disputa eleitoral de 2022, quando o movimento conseguiu eleger quatro deputados estaduais e três deputados federais.
Questionado sobre como o movimento avalia o espaço dado pelo atual governo, Wesley Lima, um dos responsáveis pela comunicação do MST, afirmou: “Não queremos ocupar as cadeiras dos ministérios por bandeirinhas de partidos ou por tendências, mas por orientação de uma linha política que seja voltada para a execução do programa”.
Lima destacou ainda que estar no governo não resolve a questão da Reforma Agrária. “O MST entende que é necessário construir lutas populares, ocupar terras, denunciar o agronegócio e pressionar o Estado para que terras sejam desapropriadas e que famílias possam produzir alimentos saudáveis para toda a sociedade”, concluiu.
A internacionalização das lutas
Entre o final de março e o início de abril, a viagem internacional do integrante da direção nacional do MST, João Paulo Rodrigues, com agendas em pelo menos cinco países, ganhou repercussão. Rodrigues teve sua viagem custeada pelo evento do qual participou: um seminário promovido pela Global Justice Now (organização com sede no Reino Unido).
Apesar de Rodrigues mencionar as questões climáticas e de alternativas energéticas em sua postagem, a página do evento tem como título “Resisting Monopoly Capitalism” (Resistindo ao Capitalismo Monopolista, em tradução literal) e dá destaque para o crescimento do movimento contra os monopólios.
Em sua conta no Instagram, o integrante do MST fez questão de registrar a passagem pelo túmulo do teórico comunista Karl Marx e sua participação em manifestações nas ruas de Paris contra a reforma da previdência proposta por Emmanuel Macron, presidente da França.
Já João Pedro Stédile, coordenador nacional do Movimento dos Sem Terra, também fez uma viagem internacional neste ano. Ele integrou a comitiva oficial do presidente Lula em missão na China. Durante a viagem, Stédile afirmou que as ações do MST seguiriam acontecendo – e não só em abril. Ele destacou que “a mobilização popular, marchas, vigílias, manifestações e ocupações de terras públicas e latifúndios improdutivos fazem parte da existência do MST e que isso não é nenhuma novidade”.
Para o deputado federal Ricardo Salles (PL-SP), “Stédile ter ido à China com Lula é um absurdo” e comprova a tese de que “o governo mente quando diz que não está apoiando as invasões”.
Diante das declarações de Stédile sobre a possibilidade de novas invasões, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) protocolaram ações contra o coordenador e contra o MST.
A CNA entrou com um pedido de liminar junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) para impedir invasões de propriedades rurais em todo o país. Já a FPA recorreu ao Ministério Público do Distrito Federal, Procuradoria Geral da República (PGR), Ministério Público do Estado de São Paulo, Advocacia-Geral da União e Tribunal de Contas da União para pedir a investigação e a prisão de Stédile.
Invasões em abril
As declarações feitas por líderes do Movimento dos Sem Terra (MST) sobre a “Jornada de Lutas no Abril Vermelho”, intensa em ações do grupo, estão se cumprindo. Em praticamente todos os estados do Brasil, estão sendo registradas manifestações nas ruas, invasões de terras e de órgãos públicos, além de atos e eventos como palestras em universidades.
No fim de semana, integrantes do MST invadiram nove áreas em Pernambuco. Uma delas foi uma fazenda da Embrapa no estado. O local serve como instalação de experimentos diversos e multiplicação de material genético básico de cultivares.
Além disso, de acordo com a Empresa, trata-se de áreas de preservação da Caatinga e a invasão compromete “a vida de animais ameaçados de extinção, além de pesquisas para conservação ambiental e de uso sustentável do Bioma”.
Em uma postagem nas redes sociais, o ministro da Agricultura do governo Lula, Carlos Fávaro, condenou a ação do grupo e chamou a invasão de “crime”.
Houve também invasões em São Paulo, Minas Gerais e Ceará nos últimos dias.
Investigação em CPI ainda não tem data para começar
No Congresso, a CPI do MST aguarda pela deliberação do presidente da Câmara, Arthur Lira. O deputado Ricardo Salles diz que a promessa é de que a CPI possa dar início aos trabalhos logo após a instalação da CPMI do 8 de janeiro. Marcada inicialmente para acontecer nesta terça-feira (18/4), a Sessão Conjunta do Congresso Nacional, que poderia dar o pontapé inicial na CPMI do 8 de janeiro, foi adiada, com nova data provável para o dia 26 de abril.
Salles aposta no poder investigativo da CPI, que permite a quebra do sigilo fiscal e telefônico, para avançar na punição aos envolvidos com as ações do MST. “Queremos chamar também as autoridades estaduais que estão se omitindo, com exceção de São Paulo, sobre as invasões”, pontuou o parlamentar. Ele é um dos autores do requerimento de criação da CPI do MST.
De acordo com o parlamentar, o prejuízo que se pode ter com a invasão à fazenda da Embrapa não tem valor estimável. “Os valores do tipo de pesquisa encontrados naquela instalação são intangíveis. É impossível calcular as perdas, caso algo seja destruído”, afirmou. “É um absurdo principalmente em se tratando de grupos que atacaram o governo Bolsonaro dizendo que éramos contra a ciência. Ora, quem invade laboratórios e destró pesquisas são eles”, completou Salles, que foi ministro do Meio Ambiente no governo Bolsonaro.
Para o deputado Arnaldo Jardim (CD-SP), vice-presidente da FPA na Câmara dos Deputados, salientou que será necessário trabalhar em uma forma de punição maior diante do cenário atual. “Nós trabalhamos pela reforma agrária, mas somos terminantemente contra invasões de terra. Temos que respeitar a propriedade e vamos trabalhar por requerimentos que possam aumentar a punição para quem invade, e claro, impedir que esses invasores tenham acesso às políticas sociais”, enfatizou.
Gazeta do Povo