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‘O mercado ainda é machista’, afirma Anacelly de Paula, diretora do Sicoob Potiguar

Anacelly de Paula afirma que, no mundo dos negócios, a mulher tem vários desafios (Foto: Adriano Abreu)

Há 20 anos Anacelly de Paula, hoje diretora executiva do Sicoob Potiguar, constrói uma carreira com vasta experiência, que começou quando ela ainda era estudante de Turismo. Tudo começou quando ela foi aprovada em um processo seletivo do  Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur) e passou a fazer parte do núcleo financeiro do Banco do Nordeste, instituição agente dos recursos direcionados ao Prodetur. “Foi lá onde tudo começou e onde eu despertei para as vivências do mercado financeiro. Foram cinco anos no BNB”, relata. 

Em seguida, o cooperativismo passou a fazer parte da vida de Anacelly, espaço onde convive com orgulho até hoje. “Passei 10 anos na antiga Unicred. Entrei como assistente de atendimento, depois fui consultora, gerente de relacionamento e gerente geral. No Sicoob, estou desde 2018”, conta. A Cooperativa é a única do Nordeste a ter a gestão executiva administrada por duas mulheres. Junto a Anacelly,  outro cargo de diretoria é ocupado por uma mulher: Manuela Souto é a  diretora organizacional e de risco do Sicoob. Há um ano e meio como diretora executiva da Cooperativa, Anacelly conta que desempenha a função com com afinco, enquanto  faz questão de afirmar: quer estimular outras mulheres a trilhar o caminho que leva aos cargos de alta gestão em todo o País. Na entrevista a seguir, ela fala sobre esse e outros desafios da carreira.

Há um ano e meio você assumiu a diretoria executiva do Sicoob Potiguar. Mas sua carreira não começou agora. Como foi essa  trajetória até aqui?

Iniciei minha carreia no Banco do Nordeste há 20 anos, quando fazia Turismo. Lá, participei de um processo seletivo do Prodetur. O BNB era o agente financeiro dos recursos do programa, que vinham do BIRD [Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento] e eu fui selecionada para fazer parte desse núcleo. Foi lá onde tudo começou e onde eu despertei para as vivências do mercado financeiro. Foram cinco anos no BNB. Em seguida, entrei no cooperativismo, na antiga Unicred, onde passei 10 anos. Entrei como assistente de atendimento, depois fui consultora, gerente de relacionamento e gerente geral. Em 2018, iniciei as atividades no Sicoob Potiguar como gerente de agência na sede do Alecrim.  Um ano depois, a Cooperativa começou um processo de expansão e mudança de patamar e de gestão com a implantação de uma governança. Com isso, o conselho de administração se dividiu da diretoria. Esse processo é feito em assembleia, onde são eleitos os membros do conselho, que é quem contrata a diretoria executiva. Além de mim, que sou diretora executiva, temos a diretora organizacional e de risco, que é Manuela Souto. Hoje, no Sicoob Nordeste nós somos a única cooperativa administrada na gestão executiva por duas mulheres. Acho que isso é um dado a se ressaltar, porque muito se fala que as mulheres estão entrando no mercado, mas na alta gestão, isso não é comum.

Já que estamos falando de algo incomum, como foram suas vivências em relação ao preconceito? De que forma você lida com isso? 

Vivemos em uma construção diária. Eu tento impulsionar todas as minhas amigas e mulheres da equipe para não desistirem diante do primeiro desafio. Para se ter uma ideia, em outro sistema, onde a gente tinha as gerentes gerais – contava-se nos dedos e eu estava entre elas – nosso salário era diferente do salário dos homens que estavam no mesmo patamar. Há ainda uma grande disparidade, principalmente para alta gestão. No sistema cooperativista do Nordeste não existe nenhuma presidente mulher. Então, é algo para nós refletirmos. 

Como a mulher deve se preparar para o mundo dos negócios? 

Antes de tudo é bom lembrar que o conhecimento é igualitário para homens e mulheres. O que eu percebo  é que, o fato de a mulher ter algumas atividades que o homem não tem, faz com que ela se perca no caminho. A família precisa entender que é importante ajudar e a mulher deve pôr determinados limites para que consiga se desenvolver e fazer as entregas que o mercado exige. Quando eu falo isso é porque, realmente, o mercado financeiro é muito exigente. E, muitas vezes, a mulher não consegue apoio em casa. Aí, começam os conflitos e as crises para se entregar à carreira sem largar o filho e sem carregar o sentimento de abandono por isso. Acredito que esse é um dos pontos que pesam  e fazem com que as mulheres desistam no meio do caminho.

Além do desafio de conciliar tantas responsabilidades, quais outros a mulher enfrenta hoje para  empreender?

Em primeiro lugar é preciso estudar. Não se deve abrir mão da qualificação e da adequação continuada. Não podemos estagnar em uma graduação. Devemos estar sempre qualificadas e em busca de experiências. Teoria e prática caminham sempre juntas. E também é importante não criar ansiedades para chegar em um patamar superior. Esperar galgar cada passo é fundamental. Claro, os desafios são diferentes para cada pessoa. Sou divorciada e não tenho filhos. Isso me dá uma comodidade de poder entregar muito mais. Mulheres com  filhos, marido e uma casa para cuidar precisam dividir essas atribuições extras com o companheiro e os filhos. 

Qual seu maior aprendizado como executiva?

O mercado ainda é machista. As mulheres que se posicionam de forma firme – e me considero uma pessoa de personalidade firme – muitas vezes são interpretadas como histéricas e mal amadas. Isso  para mim é um desafio e um aprendizado, porque quando opinamos e argumentamos, o mercado tem que entender que é um posicionamento e não uma histeria. E  os homens têm que respeitar. Às vezes é preciso sermos firmes para que eles nos escutem. Se eu chegar em uma reunião de negócios e as pessoas não me escutarem, vou alterar o tom de voz e pedir que prestem atenção. E muitas vezes isso não é bem visto. Mas os aprendizados nesse sentido são muitos e dizem respeito ao   equilíbrio necessário para colocar o outro na posição de que ele está sendo desrespeitoso.

Você teve que provar mais sua capacidade que os homens de sua família?

Não. Tenho uma irmã que também é executiva do mercado financeiro e  um irmão que é engenheiro e todos me têm como inspiração e me impulsionam. Meus pais são meus fãs. Minha estrutura familiar me incentiva para eu poder trilhar esses desafios e as conquistas que tenho hoje.

Que conselho você daria às mulheres que querem empreender no Brasil?

As mulheres devem ocupar os espaços que acharem conveniente para elas. Repito: estudar é o primeiro passo; segundo, não desistam no primeiro obstáculo, porque a vida é feita de superações; terceiro, converse com a família para que as outras atividades (domésticas e familiares) sejam compartilhadas.  Também tenho um conselho para os homens: inspirem e estimulem suas mulheres. Não coloquem obstáculos para elas trabalharem e estudarem.

Como está a inserção da mulher no cooperativismo?

Ainda é um cenário muito tímido, mas nós estamos nos aproximando de outras cooperativas para que a gente possa estimular as mulheres a se integrarem ao cooperativismo. A Organização de Cooperativas do Estado do Rio Grande do Norte (OCERN) é uma grande parceira nesse sentido. Na alta gestão, os nossos números são muito pífios. Há estudos que mostram que mulheres ocupam somente 38% dos cargos de chefia. Na mesma função, mulheres chegaram a receber 76% do que um homem recebia. Sem contar que  ocupamos menos de 2% dos cargos de diretoria executiva nas instituições financeiras e menos de 20% das cadeiras dos conselhos de administração. Isso diz muito sobre o que ainda temos a percorrer. Mas, também diz muito sobre o gesto de reconhecimento dos conselheiros do Sicoob Potiguar que, mesmo em um conselho totalmente masculino, indicaram uma mulher para estar na diretoria executiva.

Vamos falar agora sobre o cenário brasileiro. Você acredita em recuperação econômica ainda este ano? O que falta para que o  País saia da atual situação?

Avalio o mercado hoje sob uma expectativa muito remota de recuperação. Temos uma tendência de Taxa Selic elevada. Isso faz com que o mercado financeiro se posicione em uma retração financeira em crédito e, para as empresas e empreendedores, isso é muito ruim. Não vejo um cenário positivo até o final do ano. Pelo contrário, vejo uma tendência de aumento da inflação. Estamos num ano de eleições e isso tudo prejudica um pouco, porque as pessoas ficam inseguras e os investidores também. A solução é que o Governo entre com políticas monetárias para que haja um equilíbrio na redução da taxa de juros. Mas, não sei se num período  de eleições, o Governo querer dar a cara à tapa. As cooperativas estão com estratégias para reduzir esses impactos. Vamos distribuir as sobras de 2021. Com isso, a gente devolve para o associado, que recebe o recurso e injeta na economia local. Para 2022, reduzimos tarifas para que haja um menor impacto nos custos  [dos associados] e estamos tentando expandir o movimento do cooperativismo financeiro para todo o Estado.

Felipe Salustino / Tribuna do Norte

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Postado por MOSSORÓ NEWS

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