Em meio à instalação da primeira fábrica de carros elétricos do Brasil pela multinacional chinesa BYD, na cidade industrial de Camaçari, Bahia, surgem graves denúncias sobre condições degradantes de trabalho enfrentadas por operários chineses contratados para a construção do empreendimento. A situação inclui alojamentos insalubres, jornadas exaustivas, falta de equipamentos de proteção e relatos de violência física, conforme apurado pela Agência Pública.
Condições de trabalho precárias e maus-tratos
Funcionários do Jinjiang Group, uma das três empresas chinesas contratadas para a obra, relataram que, em alguns casos, não tinham acesso à água potável e precisavam beber água salobra acumulada em poças no canteiro de obras. Muitos trabalham descalços ou sem capacetes, descumprindo normas básicas de segurança do trabalho. Há registros de violência física: áudios, vídeos e depoimentos apontam que mestres de obras teriam agredido operários com chutes e socos por supostas falhas ou lentidão na execução das tarefas. Em um dos episódios, um trabalhador foi derrubado ao chão após receber um chute nas costas.
A rotina exaustiva e a falta de infraestrutura
Os operários chineses são submetidos a jornadas de até 12 horas diárias, sete dias por semana, sem folgas. O refeitório improvisado no local de trabalho não permite um intervalo adequado para as refeições, configurando uma jornada continuada. Os alojamentos, descritos como sujos, aglomerados e sem divisão entre homens e mulheres, contrastam com as condições dos 590 funcionários brasileiros envolvidos no projeto, que seguem uma carga horária regular com pausas previstas.
A expansão da BYD e o apoio governamental
A chegada da BYD ao Brasil foi celebrada pelo governo da Bahia, liderado por Jerônimo Rodrigues (PT). Em março deste ano, foi oficializado o acordo para a construção da fábrica no terreno anteriormente ocupado pela Ford, adquirido pelo governo estadual e revendido à BYD por R$ 287,8 milhões. O investimento total de R$ 5,5 bilhões promete gerar mais de 20 mil empregos, segundo a empresa.
A obra, que inclui 26 novas estruturas como galpões de produção e pista de testes, deveria ser concluída até o final de 2024. Contudo, fontes indicam um atraso, com previsão de finalização apenas em janeiro de 2025, o que estaria intensificando a pressão sobre os trabalhadores.
Aspectos legais e investigações
A Constituição brasileira garante aos trabalhadores estrangeiros os mesmos direitos que aos nacionais, incluindo jornadas de até 44 horas semanais, férias remuneradas, adicional de horas extras e condições de segurança. Especialistas apontam que o descumprimento dessas normas constitui clara violação à legislação trabalhista.
A advogada Ana Paula Studart reforça que é obrigatório fornecer equipamentos de proteção individual, realizar treinamentos periódicos e adotar programas de prevenção de acidentes. Além disso, a legislação proíbe discriminação salarial entre brasileiros e estrangeiros na mesma função.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Polícia Federal realizaram uma vistoria no canteiro de obras em 11 de novembro, mas não inspecionaram os alojamentos. Um inquérito foi aberto para apurar as denúncias, e a BYD afirmou que as irregularidades identificadas são “ajustes pontuais” já em processo de correção pela Jinjiang Group.
Resposta da BYD
Em nota, a BYD declarou que opera no Brasil há 10 anos “cumprindo rigorosamente as leis locais” e que as obras atendem às normas legais, incluindo a licença de instalação emitida pelo governo baiano. A empresa destacou seu compromisso com o desenvolvimento local e a geração de empregos, sem, no entanto, responder diretamente às denúncias de maus-tratos.
Impactos e preocupações
As graves acusações levantam questões sobre a fiscalização das condições de trabalho em projetos de grande porte que envolvem recursos públicos e parcerias internacionais. Enquanto a construção da fábrica de carros elétricos avança, os desafios relacionados aos direitos humanos e trabalhistas precisam ser abordados para garantir que o progresso econômico não seja alcançado às custas da dignidade dos trabalhadores.