A troca de ameaças de taxação entre os presidentes Donald Trump e Luiz Inácio Lula da Silva tem elevado as tensões comerciais entre Brasil e Estados Unidos. Ambos os líderes são conhecidos por discursos inflados e enfrentamentos verbais, mas, por trás da retórica política, há uma realidade inegável: a economia brasileira tem uma forte dependência dos EUA, e uma escalada de medidas protecionistas poderia trazer impactos severos a setores estratégicos.
Os números do comércio bilateral em 2024 mostram um equilíbrio aparente: os EUA importaram cerca de US$ 40,3 bilhões, em produtos brasileiros, enquanto o Brasil comprou US$ 40,6 bilhões dos americanos. Apesar da paridade nos valores, a questão central não é apenas o volume negociado, mas sim a vulnerabilidade brasileira diante de uma possível ruptura.
Os setores brasileiros mais afetados
Se as ameaças de Trump se concretizarem, impondo tarifas de até 100% sobre produtos brasileiros, a relação comercial entre os países se tornaria praticamente insustentável. O impacto seria sentido de maneira desigual, com setores específicos sendo duramente atingidos.
1. Agronegócio: exportações estranguladas
Os EUA são um dos principais compradores de café, carne bovina, soja e açúcar do Brasil. Caso as tarifas elevadas reduzam a competitividade desses produtos no mercado americano, os exportadores brasileiros enfrentariam dificuldades para encontrar substitutos à altura. Além disso, mercados alternativos, como a China, já possuem cadeias de fornecimento estruturadas e acordos com outros países, tornando a substituição do parceiro norte-americano uma tarefa complexa.
2. Petróleo e gás: superávit e queda de preços
Os EUA são um dos maiores compradores do petróleo bruto brasileiro, especialmente da produção do pré-sal. Sem esse destino, o Brasil poderia enfrentar um acúmulo de estoque, o que forçaria uma redução dos preços internos e prejudicaria investimentos no setor. Estados como Rio de Janeiro e Espírito Santo, fortemente dependentes da indústria petrolífera, seriam diretamente afetados.
3. Indústria automotiva: dependência tecnológica e exportações
Montadoras instaladas no Brasil, como Fiat, Volkswagen e GM, exportam parte de sua produção para os EUA. Caso essas vendas sejam inviabilizadas por tarifas proibitivas, o setor pode enfrentar retração e aumento do desemprego. Além disso, muitos insumos e tecnologias vêm dos EUA, e sua substituição não seria simples nem barata.
4. Tecnologia e eletrônicos: insumos essenciais em risco
A indústria eletrônica brasileira depende fortemente da importação de componentes e softwares dos EUA. Caso a relação comercial se deteriore, a escassez desses itens impactaria desde a produção de bens de consumo até setores estratégicos, como telecomunicações e segurança cibernética.
5. Farmacêutica: saúde em perigo
O Brasil importa dos EUA uma quantidade significativa de medicamentos e insumos farmacêuticos. Uma interrupção no fluxo comercial poderia levar ao desabastecimento de remédios essenciais e ao aumento dos preços, impactando diretamente a população e o Sistema Único de Saúde (SUS).
A China substituiria os EUA?
Diante de um cenário de rompimento comercial com os EUA, um argumento recorrente é o fortalecimento das relações com a China, que já é o maior parceiro comercial do Brasil. No entanto, essa alternativa tem limitações claras.
A China se destaca como grande compradora de commodities, especialmente soja e minério de ferro, mas não supre demandas essenciais que hoje são atendidas pelos EUA, como tecnologia de ponta, medicamentos e insumos industriais sofisticados. Além disso, o modelo de negócios chinês prioriza acordos de longo prazo e controle sobre fornecedores, dificultando uma adaptação rápida para absorver a fatia do mercado que o Brasil perderia nos EUA.
Outro fator crítico é que a China, apesar do volume de comércio, mantém uma postura protecionista e exige contrapartidas rigorosas, enquanto os EUA historicamente operam com um modelo mais aberto de parcerias comerciais. Isso significa que o Brasil não teria garantias de que um maior alinhamento com Pequim compensaria as perdas no mercado norte-americano.
Conclusão: o Brasil perderia muito mais
Se a retórica protecionista de Trump se concretizar, o Brasil enfrentará uma crise econômica severa, atingindo desde o agronegócio até setores industriais e farmacêuticos. Diferente dos EUA, que possuem alternativas de fornecedores globais, o Brasil não teria substitutos imediatos para suprir sua dependência norte-americana.
A relação comercial entre Brasil e China tem crescido, mas não é capaz de substituir integralmente o papel dos EUA no fornecimento de bens essenciais e na absorção de exportações estratégicas. Além disso, uma guerra tarifária tornaria as exportações brasileiras inviáveis, afetando drasticamente a geração de empregos e o crescimento econômico.
Diante desse cenário, o Brasil precisaria repensar sua estratégia comercial e buscar uma abordagem mais pragmática para evitar um isolamento econômico prejudicial. As bravatas entre Lula e Trump podem ser parte do jogo político, mas, na prática, o Brasil tem muito mais a perder do que a ganhar com uma escalada de tensões comerciais com os EUA.