Por Deltan Dallagnol – Opinião
Sua liberdade está em perigo. A Câmara votará amanhã, dia 25, a urgência do projeto de lei 2630/2020 que, em nome de “combater fake news”, permitirá que o governo censure a voz dos usuários em redes sociais como Instagram, Facebook, Twitter e YouTube.
Se a urgência for aprovada, o projeto poderá ter seu mérito aprovado depois de amanhã, na quarta. Como já passou pelo Senado, está muito próximo de se tornar lei. Se você preza sua liberdade de expressão, é urgente que faça algo e vou explicar o porquê.
Há pelo menos cinco pontos do projeto que são extremamente preocupantes. Primeiro, ele incentivará que postagens legítimas sejam derrubadas em massa ao criar a responsabilidade das plataformas de redes sociais de atenuar riscos sistêmicos, definindo de modo vago tanto o que seria a atenuação dos riscos como também os próprios riscos.
Dentre esses riscos sistêmicos, estão os riscos de “difusão de conteúdos ilícitos” relativos a “golpe de estado” e a “discriminação ou preconceito”, riscos em relação à “violência de gênero”, riscos de danos à dimensão coletiva dos direitos fundamentais previstos na Constituição ou relacionados a temas cívicos, político-institucionais e eleitorais.
Há pelo menos cinco pontos do projeto que são extremamente preocupantes
O que entra nisso? Será que a defesa do impeachment pode ser penalizada, já que para alguns é um “golpe”? Críticas à ideologia de gênero? Críticas contundentes ao STF, ao presidente ou aos deputados e senadores? Chamar de “genocida” ou de “presidiário”? Dizer que o governo contribuiu para o 8 de janeiro será considerado um ataque às instituições democráticas?
Como se observa, as plataformas deverão gerenciar riscos relacionados a comportamentos que são definidos com expressões vagas as quais dão imensa margem à interpretação. Só os direitos fundamentais previstos na Constituição compõem uma extensa lista.
Há um segundo problema aí. O gerenciamento de “risco” é também definido de modo vago. O projeto exige que a rede social “adapte os processos de moderação de conteúdos (…) e, quando necessário, aplique remoção ou indisponibilização rápida de conteúdo”. Exige também que “adapte a concepção, características ou funcionamento dos serviços, incluindo os sistemas e interfaces”.
A vagueza segue adiante: se as redes sociais não “identificarem, analisarem e avaliarem diligentemente os riscos sistêmicos”, e se não “adotarem medidas de atenuação razoáveis, proporcionais e eficazes” – mais uma vez, termos vagos – contra os riscos, ficarão sujeitas a pesadas multas que podem chegar a R$ 50 milhões por infração.
Então, o que você acha que as plataformas vão fazer? Como elas não têm condição de analisar cada postagem individualmente, é óbvio que criarão regras e algoritmos para derrubar posts que representem qualquer risco, como aqueles que tenham, por exemplo, “certas palavras” ainda que sejam postagens legítimas numa democracia.
Assim, o projeto estabelece um imenso incentivo para que as redes sociais derrubem automaticamente conteúdos que tenham mero risco de serem considerados ilegais pelo governo. Isso porque os termos são vagos e o que é legal ou ilegal pode ser objeto de disputa e argumentação. Se elas não derrubarem os conteúdos por cautela estarão sujeitas a ter seu negócio inviabilizado por pesadas multas.
O projeto estabelece um imenso incentivo para que as redes sociais derrubem automaticamente conteúdos que tenham mero risco de serem considerados ilegais pelo governo
Aqui entra o segundo ponto extremamente preocupante: quem vai decidir o que você pode ou não falar, na prática, é o governo. É ele que vai supervisionar a moderação e o controle das postagens pelas redes sociais e aplicar pesadas multas. Evidentemente, as plataformas dançarão a música que o governo tocar.
O texto, de modo disfarçado, atribui essas competências a uma “entidade autônoma de supervisão”, inclusive para regulamentar em detalhes a lei. Contudo, a composição dela será determinada pelo governo, que poderá aparelhá-la ideologicamente para impor sua visão de mundo e suprimir discursos discordantes.
E, lembre-se: o governo terá ampla margem para cercear discursos com base nos conceitos vagos previstos na lei, que determina que sejam moderados conteúdos para atenuar o risco de violações à “dimensão coletiva dos direitos fundamentais”, seja o que for isso.
Assim, o projeto coloca uma espada de Dâmocles sobre a cabeça das redes sociais, pendurada por um fio que o governo pode cortar a qualquer momento. Ao fazer isso, dá-se o controle da moderação, na prática, ao governo. De modo muito simples e direito: a proposta dá um cheque em branco para o governo controlar o que você pode ou não dizer.
A terceira preocupação é a criação pelo projeto do que ela chama de “protocolo de segurança”, que pode ser decretado pelo governo por 30 dias renováveis quando houver “risco iminente de danos à dimensão coletiva de direitos fundamentais”, algo que sequer se sabe exatamente o que é e pode se relacionar a uma imensa gama de situações a depender da vontade política.
Quem vai decidir o que você pode ou não falar, na prática, é o governo
Esse protocolo é uma espécie de estado de exceção, um estado de sítio das redes sociais ou uma miniditadura digital em que o governo vai poder controlar mais ainda o que se dirá e o que será censurado nas redes sociais. Esse protocolo parece coisa da Venezuela, Cuba, Nicarágua, Rússia e China.
Em quarto lugar, o projeto sujeita as redes sociais à responsabilização se não retirarem rapidamente conteúdos denunciados por usuários como “conteúdo potenciamenete ilegal”, sob pena de responsabilização.
De fato, as plataformas ficam obrigadas a, “de maneira diligente e de acordo com seus termos de uso”, “apurar eventual ilegalidade do conteúdo”, “aplicando as ações correspondentes, inclusive a de moderação”.
A avaliação do que é ou não um conteúdo ilegal, mais uma vez, é objeto de discussão. O projeto incentiva as redes a, na dúvida, suprimirem, debaixo do controle e direcionamento do governo.
Até hoje, o Marco Civil da Internet isentava as plataformas de responsabilidade pelo conteúdo postado por terceiros em defesa da liberdade de expressão, com raras exceções. A lógica agora está sendo invertida pelo projeto, num experimento que coloca em risco a liberdade de expressão.
Não é necessária muita imaginação para prever o que acontecerá: usuários progressistas denunciarão o conteúdo conservador e vice-versa. O debate político está em risco de cair por terra. O que é isso se não for censura? E a tal da democracia?
Existe uma clara exceção: deputados e senadores poderão se expressar livremente porque têm imunidade prevista na Constituição. Já os cidadãos ou influenciadores não terão o privilégio de debater política e serão amordaçados pelo PL da Censura. Até mesmo candidatos sem mandato serão silenciados por denúncias de usuários. O projeto cria duas categorias de cidadãos e de cidadania.
Por fim, o projeto poderá ser aprovado sem uma discussão adequada e profunda nas comissões da Câmara, que existem justamente para isso, a fim de aperfeiçoar a proposta e de afastar os riscos que acarreta à liberdade de expressão e à própria democracia.
Não é necessária muita imaginação para prever o que acontecerá: usuários progressistas denunciarão o conteúdo conservador e vice-versa
O presidente da Câmara, Arthur Lira, anunciou que a urgência do projeto será votada nesta terça, o que permitirá que o seu mérito seja votado no dia seguinte. Além de o tempo ser exíguo, o texto do projeto está sendo mudado todo dia, e bastante, sem ser publicado em lugar algum.
Isso prejudica a transparência e o debate público sobre a proposta. Para produzir este artigo, por exemplo, foi necessário examinar várias versões do projeto recebidas em diferentes grupos, algumas bastante distintas. Foi preciso ainda confirmar qual era a última versão diretamente com seu deputado relator.
Cabe ressalvar que o projeto tem vários aspectos positivos. Por exemplo, estabelece o direito ao devido processo e ao recurso para o usuário que tem sua postagem suprimida, exige maior transparência e análise de riscos sistêmicos, prevê a remuneração de conteúdos jornalísticos nacionais, determina que as plataformas forneçam dados para pesquisas acadêmicas etc.
Contudo, há tantas coisas tão ruins que o projeto joga ralo abaixo o bebê junto com a água suja do banho. Precisa melhorar muito para ficar ruim. Ou seja, para combater fake news, o projeto enterra a garantia da liberdade de expressão e viabiliza a censura governamental.
Além disso, o contexto importa: vivemos debaixo de um governo que quer vingança e, para isso, tenta controlar a narrativa. Esse governo amigo de ditaduras criou um ministério da verdade, aumentou verbas para imprensa e agora quer controlar o que se diz nas redes sociais.
Por isso, é urgente a mobilização para que deputados sejam conscientizados sobre os problemas do projeto, a fim de que votem “não” à sua urgência e, se não houver grande alteração do texto e tempo para que seja conhecido, analisado e debatido com a sociedade, rejeitem-no em seu mérito.
Não vamos permitir que calem a nossa voz! Posso contar com a sua ajuda para impedirmos que o Brasil seja amordaçado?
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Deltan Dallagnol é mestre em Direito pela Harvard Law School e foi o deputado federal mais votado do Paraná em 2022. Trabalhou como procurador por 18 anos, atuando em várias operações no combate a crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. Foi coordenador da operação Lava Jato em Curitiba. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.